sexta-feira, 4 de novembro de 2011

Capítulo SEIS: MISÉRIA




Deitado no duro catre e contando as telhas do teto sem forro, ele faz um balanço de sua trajetória até aquele momento.
Não havia alcançado o glamour que havia sonhado enquanto caminhava pela terra trincada observando as ondas de calor se desprendendo do solo em direção ao áspero céu da caatinga.
Longe dos mil contos que almejava, recebe menos que um salário mínimo e na verdade, o vencimento nem chega a passar por suas mãos direito. Boa parcela do montante se perde pelo caminho nos bolsos de uma outra pessoa.
O agenciador mantém em sua posse os documentos dos retirantes que acreditam serem ajudados por ele, que lhes arranjou moradia e emprego. Pelo serviço, leva uma comissão razoável e antes que o pagamento chegue até Raimundo, já fora ali descontada juntamente com o absurdo aluguel do cortiço, que nada mais é que um ínfimo quarto entre dezenas de outros iguais, contando com uma ridícula peça chamada de cozinha e um de banheiro equipado de vaso turco e um pedaço de cano na parede que faz as vezes de chuveiro, e que é habitado por baratas e outros animais que ele nunca havia tido a oportunidade de conhecer lá no nordeste.
Mas na verdade para ele isso pouco importa. Depois de um longo dia que se inicia as quatro da manhã e se prolonga debaixo de pesadas caixas e centenas de sacas dos mais diversos produtos que circulam incansavelmente pelo pátio da CEAGESP, ninguém mais está se importando com indesejáveis companheiros de quarto.
Por incrível que pareça, ainda sobram alguns trocados no final do mês, poucas migalhas remanescentes da mordida do Jacaré e que são guardadas na antiga lata de manteiga escondida debaixo de um taco solto sob um dos pés da velha e enferrujada cama de tubos esmaltados.
Está cansado e com saudades de casa, o corpo doído pelo trabalho diferente daquele lá na lida, mas o que se há de fazer? A gigantesca cidade precisa se alimentar, e ele está ali para garantir que o ciclo se complete dia após dia.
Com este pensamento flutuando em um estado de quase hipnose, adormece, ou melhor, apaga ouvindo a cacofonia que se filtra pelas finas paredes geminadas da simplória habitação coletiva...