domingo, 25 de agosto de 2013

Caos - capítulo dez


   Baldes e tambores no chão, prateleiras de aço tombadas disputam lugar com velhos arquivos empenados e peças e ferramentas espalhadas sem nenhuma organização. As enegrecidas manchas de graxa e óleo só ajudam a criar a imagem de que a pessoa que ali trabalha é incapaz de encontrar até mesmo um gigantesco pneu de caminhão caso precise de algum, tal o nível da desordem reinante.
   Jacaré, do alto do mezanino da oficina, fachada para seu escritório de onde comanda seus negócios obscuros e de legalidade duvidosa, aprecia a arquitetura simples de seu plano. Até mesmo um olhar mais cuidadoso dificilmente conseguirá descobrir algo no meio daqueles objetos dispostos tão atrapalhadamente. Satisfeito com o resultado, sorri para si próprio.
   Mas há ordem no caos, e cada uma daquelas peças se encontra onde está por um motivo, um propósito que justifica um fim. Quem imaginaria encontrar ali no meio qualquer prova que ligue o esperto aproveitador 
ao seu comércio absolutamente informal?
   Pega uma pesada caixa de ferramentas escondida sob uma pilha de rolamentos velhos e vai correndo os dedos pelos livretos azuis e cédulas esverdeadas, documentos que apreendeu dos incautos imigrantes que chegam diariamente à metrópole agitada.
Dinheiro fácil de ganhar. Cerca os pobres viajantes assim que desembarcam dos ônibus clandestinos e oferece abrigo, comida e serviço, ofertas que naquele momento parecem que até mesmo acabaram de cair dos céus. Mas é claro que nada daquilo é gratuito. O preço pago é mais alto que qualquer um poderia imaginar. Enfia os recém chegados em um cortiço sem nenhuma condição de higiene, fornece magra refeição e já no outro dia, os leva para trabalhar na central de distribuição, serviço pesado e informal. Lá ele tem contato com o chefe dos chapas, que em troca da mão de obra e uma porcentagem no vencimento dos novos funcionários, dá a Jacaré o "direito" de fazer o pagamento da peãozada. O grande problema é que além de uma porcentagem que o atravessador morde a título de protetor, leva também boa parte dos ordenados cobrando valores absurdos relativos ao fornecimento de alimento e abrigo.
   Para garantir o funcionamento do esquema, ele guarda ali no seu covil os documentos de suas vítimas, as mantendo assim presas a ele. Além dos documentos, um pouco de medo somado a essa fórmula evita algum tipo de motim. Alguns nomes e retratos 3x4 que estão na caixa já não estão gerando receita faz tempo. Alguns fugiram de volta para sua terra sem nem mesmo levar nada além da roupa do corpo, outros morreram mesmo, sucumbiram ante o peso esmagador da selva de pedra. Mas isso não é problema, como  em todo ramo de negócio, tal perda já fora contabilizada. Afinal de contas, é impossível fazer uma omelete sem quebrar alguns ovos.
   A campainha estridente toca alto. Vamos lá, hora de fazer o pagamento.

quinta-feira, 22 de agosto de 2013

Sobre flores - Capitulo nove


   Raimundo agora era só sorrisos. Graças a sua nova amizade, considera Baianinho seu baitininga,  conseguiu um trabalho bem melhor do que o primeiro. Aquilo de carregar caixa o dia inteiro até mesmo lá no norte era serviço pros diversos jumentos que todos os dias cortavam lentamente a caatinga, mesmo assim a pulso, de forma a levar os parcos mantimentos até a baixa da égua. sob o peso do acoite.
   Durante a pausa para o lanche da tarde, quando comia seu alfinin e o cabeludo, um luxo até então esquecido, observa o belo jardim, agora sua responsabilidade profissional.
   - No sertão não existia esse pantin de flor ornamental e cascata. O difícil vai ser só aprender a poda de cada uma, depois vai ser só manter tudo  feito a corralinda, deixa comigo!
   Neste momento, é rapidamente arrancado de seus pensamentos pelo som de uma melodiosa risada e ao olhar pela janela do escritório voltada para o canteiro de sempre-vivas, fica extasiado com a visão da moça que lhe contratara para o serviço.
   - Trabalhar no meio dessas flores e olhar pra apetrechada da Dona Gisele de vez em quando é quase tão bom quanto ganhar o salário mais benefício que ela prometeu., apois! Tanto tempo sem botar a Tonha pra andar e só de ver moça bonita fica com cara de beradeiro. Trabalhar é melhor, pois ela já deve de ter seu cambalafoice...
   Como já acabara a pausa para o café, calça as luvas e sai arrastando o bangue pela estradinha, afinal, ainda tinha grande parte do dia pela frente.