quinta-feira, 29 de setembro de 2011

Quantos Contos? Capitulo UM - Raimundo


Pessoal, saindo da inércia, vou começar a postar meu novo trabalho, chamado "Quantos Contos?"
Espero que gostem de verdade, ou mintam bem, hahahahahaha!



“RAIMUNDO”

Ele realmente estava ali. Olhava sorridente pela janela embaçada do barulhento e empoeirado ônibus clandestino. Quatro dias de viagem, foram três rodando e um parado às margens da estrada pra trocar uma peça qualquer quebrada na transmissão, segundo informou o motorista mal humorado, mas todo o sacrifício valeu a pena. Ele estava ali.

Sabia que conseguiria e agora assistia o movimento frenético e as luzes coloridas de um sem número de janelas se equilibrando umas sobre as outras.

O trânsito na larga pista estava uma verdadeira loucura e ainda eram somente quatro e meia da manhã!

Muitos tentaram ganhar a vida lá no sul, ele sabia, e acabavam retornando para a casa envergonhados e até mesmo humilhados, mas com ele seria diferente. Sabia o abecedário e até fazer conta de dividir e porcento. Bem diferente daquela vez em que teve de desenhar o nome debaixo de borrachada na sala do delegado Doutor Sebastião, depois de furar o bucho do quinzinho no dia daquela briga lá no forró. Raimundo Ferreira.

Cabra macho mesmo leva o punhal no bolso e não leva desaforo pra casa, tinha só quinze anos e quando voltou para casa, ainda apanhou da bainha do facão de rabo de tatu do pai:

_ Já que foi preso mesmo, devia era ter matado aquele filho dum cabrunco, seu moleque frouxo!

Mas agora era tudo diferente, assinava direitinho e escrevia de peito estufado o Ferreira, nome forte e de respeito no fundo lá do sertão. Segundo a falecida avó, tinha até mesmo um parentesco meio distante com o cangaço. Bem, sua experiência mais próxima disso foi aquela com o pobre do Quinzinho, e mesmo assim só riscou a barriga dele com o punhalzinho coral.

Mas isso já tinha muito tempo, depois disso fez até mesmo curso do governo, aprendeu a fazer cisterna pra aproveitar a água das chuvas e aprendeu até mesmo a fazer receita de palma pra gente comer!

Até beber pinga com o Quinzinho na zona de tolerância, o Boteco da Dona Martina ele foi depois do episodio. E foi muitas vezes. Mas isso lá era normal, se queria ver uma mulher, tinha que visitar a Dona Martina. Música muito alta, perfume muito forte, pinga muito ruim. Mas tinha que agüentar, era com aquilo que devia se contentar, e pra eles era muito bom. A se era! Lembrava bem daquela pretinha com quem foi pela primeira vez, as mãos pesadas de quem passou a vida no sertão, os olhos pesados de quem sofrera nas mãos da família o que ali tava fazendo pra ganhar uns trocados. A boca de um batom muito vermelho, igual o vermelho das unhas, e a meia fina desfiada. Porque a meia fina desfiada não saia da sua cabeça?

E assim a vida ia passando como um filme pela sua cabeça, o sertão, a seca, os espinhos da palma, a necessidade de andar léguas para freqüentar as aulas de supletivo, os dias felizes no Boteco da Martina.

_Tudo vai mudar agora, eu vim pro sul, não tenho medo de serviço e vou trabalhar muito para ganhar algum dinheiro e trazer mainha e os meus irmãos pra morar comigo. Se der mesmo certo, vou ficar mesmo rico! Quem sabe consigo ganhar até mesmo mil reais?

E perdido nesses devaneios, nem percebeu que o ônibus estacionava em um posto de gasolina às margens de um rio escuro e fétido, onde boiavam juntamente com milhares de garrafas plásticas, carcaças de geladeiras e pneus velhos.

_Ô Paraíba, ponto final!

E dessa forma começa uma nova vida. De madrugada no pátio de um posto de gasolina na maior cidade do país, sozinho carregando uma velha mala de couro de cabra, uma sacola de pano e muita coragem para enfrentar o mundo.

2 comentários:

Libério Lara disse...

Aguardando as cenas dos próximos capítulos!
Muito show!

D'Lucios disse...

Grande Liberio Lara! Em breve estarei postando mais! Só pra dar um gostinho de quero mais!