quarta-feira, 12 de outubro de 2011

Capitulo CINCO: "CONTATO"


“Contato”

Agora que era real ele começa a sentir a responsabilidade de sua atitude. A milhares de quilômetros de casa, em uma cidade que só viu pelas novelas, com pouco dinheiro e sem nenhuma pessoa em quem confiar, qual deveria ser seu primeiro passo?

Com os dois pés atrás e apavorado pelas histórias de crimes hediondos e de golpes sofridos por incautos retirantes, histórias essas que rodam de boca em boca e que lhe foram contadas com toda solenidade necessária a um verdadeiro conto de terror da Idade Média claro que ficou amedrontado ao ser abordado por um rapaz bem vestido, elegante até, e que muito sem cerimônia lhe dispara a queima roupa:

_Boa noite! Acho que eu posso te ajudar!

A noite era seu elemento natural. Amava o ar úmido da madrugada e os sons da cidade que nunca pára, e que nas mais altas horas da noite ficam mais claros, límpidos. Agora ele via a fera despertando para as atividades cotidianas. A correria dos garis, o tilintar de marmitas nas sacolas dependuradas nos ombros dos velozes motociclistas cruzando as largas pistas em velocidades e manobras vertiginosas.

Atravessou o pátio da escura oficina desativada que ainda abriga bancadas e quadros de ferramentas, baldes e uma dezena de veículos semidesmanchados, de onde foram retiradas as peças úteis, revendidas a preços módicos para clientes que nunca se importaram de saber a procedência dos produtos oferecidos.

Após passar a corrente no portão enferrujado e decadente, dá a partida na antiga perua que insiste em funcionar apesar de toda sorte de adaptações feitas para que ainda se preste ao serviço de transportar muito mal acomodadas, de oito a doze pessoas levando-as do cortiço fétido situado a dois quarteirões de distância até o gigantesco pátio da CEAGESP, onde passariam o dia carregando incontáveis caixas dos mais variados produtos a troco de uma quantia financeira irrisória e quem sabe, se tivessem sorte, levariam para casa alguma fruta pouco amassada descartada nas lixeiras do pátio de transbordo.

Por falar em sorte, resolve passar no “Posto da Desova”, nome sinistro pelo qual era conhecido o vasto posto de combustíveis ali pertinho, na Marginal mesmo, onde paravam os ônibus clandestinos que vinham do nordeste trazendo sua mercadoria favorita: mão de obra barata.

Ao estacionar a Kombi já tinha definido seu alvo. De pé entre as bombas com o olhar perdido e trazendo no rosto ainda imberbe o cansaço da viagem, ele viu algo que fez seus astutos olhos brilharem. Forte e inocente, combinação ideal para alguém sem escrúpulos explorar em benefício próprio.

_Ainda bem que foi descoberto por mim... Pensou enquanto se armava de seu mais inocente sorriso.

_Boa noite! Acho que posso te ajudar! Não se surpreendeu ao ler o medo no rapaz, reação comum de praticamente todas as pessoas que abordava para fazer sua proposta, elas vinham armadas de um pré-conceito de que todos na cidade grande querem lhes fazer mal. Isso não é de todo uma verdade, mesmo não sendo também de todo uma mentira. _Precisa ter medo não, meu jovem, sou agenciador e vi que você acabou de chegar de longe e se não tiver nada em vista posso te arranjar um emprego pra você começar amanhã mesmo, podia ser até hoje, mas conheço um lugar baratinho bem aqui perto, e você aproveita o dia pra se acomodar. Qual é mesmo a sua graça?

_Me chamo Raimundo, senhor. Fala timidamente enquanto estende uma mão trêmula para cumprimentar a irreverente figura.

_Prazer, Raimundo, pode me chamar de Jacaré, venha cá que vou te pagar um cafezinho. Ô Seu Custódio! – grita para um homem de avançada idade que vende salgados naquela área com o auxílio de uma bicicleta equipada por garrafas e caixas térmicas – Me vê um pingado e um croquete aqui pro meu novo amigo!

O despertador toca estridente, mas ela já está acordada, fica deitada mais uns poucos minutos para o sono escorrer pelos cabelos. Levanta e separa a medicação do pai, passa o café e após tomar o banho matinal, começa uma verdadeira viagem em direção ao serviço na casa dos Martins, há muita coisa a fazer nessa manhã, dia de fazer compras e vistoriar a limpeza do jardim e da piscina. Baianinho ficou uma semana na casa das máquinas, dizendo que estava limpando os filtros, agora é hora de ver se o serviço foi bem feito. Se aquele caboclo tiver me enrolado nisso, nossa conversa vai mudar a partir de agora.

Quatro da manhã, ele nem está perto de acordar. A semana foi pesada mesmo, muita coisinha a se fazer na manutenção da casa, aproveitou até para lavar a caixa d’água, serviço que não era feito há tempos. Os patrões estão chegando de mais uma viagem. Melhor encontrarem o lugar em ordem. Correu de verdade de forma que tudo possa estar em perfeito funcionamento no retorno deles. Hoje vai aproveitar para acordar um pouco mais tarde, vai passar na casa de ferragens e comprar uma chave que está faltando pra arrumar o carrinho de mão, o que vai facilitar em muito o andamento dos cuidados técnicos necessários ao bom funcionamento da casa.

Com o celular programado para tocar as seis da manhã, ele ainda dorme o sono dos justos.

Nenhum comentário: