segunda-feira, 8 de agosto de 2011

Bicho Solto

_O senhor, mais do que ninguém doutor, precisa saber que eu sou sujeito homem, cabra macho mesmo, sem vacilação. Nunca gostei de patifaria e nem de esculacho. Meu papo é reto e minha conversa não faz curva, por isso repito de novo que sou sujeito homem, viu doutor? Vi muita coisa ruim lá no mundão, e isso me fez do jeito que sou hoje. A senhora minha mãe era empregada de bacana, de doutor igual ao senhor e por isso eu estudava em escola no centro, a patroa era quem pagava e até me dava o uniforme que não servia no filho dela. Mas sabe como é, né? Agora o pessoal chama de "bule", mas na minha época era escama mesmo, coro que a gente tomava depois da aula daqueles almofadinhas, gangue de mauricinhos. Pode dar o nome que quiser pra isso doutor, mas nao adianta, dói que é o cacete! E foi assim até o dia em que eu enfezei e canivetei um filhinho de papai.
Já tinha planejado tudo aqui na minha cabeça e levei roupa e chinelo e um canivete para a aula. O primeiro que me zoasse ia tomar. Podia ser qualquer um, não escolhi ninguém em especial, ele foi o promeiro, só isso. Me chamou de neguim e me deu um tapa na cabeça. Pronto! O sangue ferveu e fiquei cego. Furei as tripas do moleque e corri para o morro. Não lembro do que aconteceu muito bem não, parece sonho, só que dessa vez acordei lá na Fundação. Pobre espetar filho de rico roda mesmo, e lá eu fiquei por onze meses. Entrei aluno e saí professor. Não parava mais em casa e rapidinho já tinha formado uma turma da treta. A gente tava na atividade com tudo. Se dava pra levantar um troco tinha um irmãozinho lá na correria. De olhar carro a estourar "tochico" a gente topava de tudo. De quase tudo, quer dizer. Pois sou sujeito homem e não fazia covardia, e nem gostava que os irmãos não cumprissem a lei do crime. Caguete e patife com a gente era no pau. Sempre cumpri com a minha palavra e por isso sou considerado pela rapaziada, tá ligado?
Agora eu estou aqui, na frente do senhor, mas tô bolado de verdade com essa parada.Só que dei minha palavra e vou ter que cumprir. Lá fora no convívio eu sou bicho solto, aquilo tudo mesmo, mas aqui eu compreendo a responsa disso. Sou cabra macho sim, sujeito homem, e por isso estou com medo dessa questão, doutor.
- Se preocupa não, é um procedimento rápido e indolor, e nem preciso dizer que é necessário, não? Você está fazendo tempestade em copo de água e se não estivesse falando tanto já tinha até acabado. E além do mais, não se preocupe pois todo homem deve passar por isso quando chegar na sua idade. Precisa ter medo não.
- Eu sei doutor, sou sujeito homem, sou ramona não. Por isso é que estou com esse medo todo. Tô com um medo danado é de tomar gosto...

Um comentário:

Libério Lara disse...

Muito bom!
Fechou o texto com chave de ouro!
hahahaha