quinta-feira, 28 de julho de 2011

Direto de 1993

Meus amigos, estava procurando localizar um documento e encontrei este texto datilografado em amarelada folha A4. Foi na verdade uma redação para a escola e na época fiquei decepcionado em não ter tido a oportunidade de ler em frente à classe.
Mesmo assim, correndo risco de me expor ao ridículo, postarei agora tal texto na íntegra. (estou preparado para o bulling literário)

Sexta-feira, mais ou menos vinte e uma horas. Como sempre, estávamos (eu e os amigos mais íntimos) no ponto da cidade mais badalado pela juventude, esperando aparecer alguma aprontação como festa, viagem, uma menina pra beijar, coisas desse tipo.
Na esquina a uns quarenta metros a gente estava um rapaz aparentando ter seus dezessete, dezoito anos, de olhar triste e cabisbaixo. Uma de suas mãos segurava um copo de bebida, talvez um Campari, e a outra mantinha escondida no bolso em vã tentativa de se proteger do frio intenso que fazia. Ele nos olhava como quem tinha inveja da alegria e animação que emanava de nossa turma reunida.
Cara estranho! Parece doido! - esse era o comentário geral das pessoas que estavam a nossa volta. Procuramos ver de onde partiam tais impressões e quando olhamos ao redor, ele já não estava mais lá. Ia ao largo cabisbaixo e com as mãos nos bolsos.
Chega o sábado! Dia de folia! mil e um agitos, de todos os cantos se ouve música, risos, piadas e brincadeiras, e naquele mesmo lugar, ali estava ele, o rapaz solitário. Parecia que a alegria dos frequentadores do lugar servia apenas para aumentar sua tristeza.
Um dos integrantes de nossa turma o convidou a participar com a gente. Ele fez um sinal com as mãos que parecia ser um sim e veio interagir conosco.
Papo vai, papo vem, as horas foram passando e quando dei por mim a madrugada ia alta e estávamos somente os dois conversando. Ele foi aos poucos se desinibindo e contando a sua triste história de vida que é mais ou menos assim:
Após a separação dos pais, ele se vê em uma grande crise depressiva que fora agravada ainda mais pelas brigas que a mãe e os irmãos travavam constantemente consigo por não compreenderem sua condição. Graças a isso tomara então uma atitude que depois reconhecera precipitada, ao vender tudo o que tinha. Seu video game, a bicicleta e alguns livros que lhe eram caros. Assim arrecadou algum dinheiro, além de retirar um fundo que tinha na poupança e resolveu sair de casa. Por algum golpe do destino ele veio parar aqui em nossa cidade, mas como não conseguiu arranjar trabalho o dinheiro estava se acabando, e ele já não mais sabia o que fazer.
Passado algum tempo nos tornamos grandes amigos e paulatinamente ele ia melhorando o quadro.
Talvez por ciúmes de nossa amizade, não sei ao cero, só sei que meus outrora amigos foram se afastando de mim até chegar ao ponto em que não havia ninguém a quem pudesse contar para conversar, tampouco para confiar a não ser, é claro, com o meu novo colega.
Não sei como puderam localizá-lo, quem sabe pelas emissões dos cheques, mas ele recebeu triste notícia originária de sua família.
A irmã mais nova andava muito adoentada e queria vê-lo. Ninguém sabia estipular um prazo , só se sabia que este seria bem curto, mas como ele não tinha mais dinheiro nem recursos para voltar a sua casa e o orgulho besta não lhe permitiria receber qualquer ajuda, inclusive a minha, voltou a ficar depressivo, triste e cabisbaixo, como eu o havia conhecido, mas dessa vez o desespero o levou a medidas mais extremas.
Fiquei sabendo da notícia no colégio: Enforcado, sepultamento as dezesseis horas dessa quarta-feira, em cova rasa, cerimônia simples, quase como um indigente.
Corri aqui e ali, e consegui levantar algum dinheiro em casa somente para ele não ficar completamente esquecido entre tantas lápides impessoais, brancas e frias...
Enquanto a urna funerária de compensado barato desaparecia lentamente sepulcro adentro eu recebia os votos de pêsames e sentimentos que partiam de meus falsos amigos e lia o que havia mandado escrever na placa que eternamente cobriria seu corpo inerte:
Conforme Rabindranath Tagore disse: "O carimbo da morte é que dá seu valor à moeda da vida, e torna capaz de comprar o que tem valor real." Emocionado, acrescentei entre dentes: A verdadeira amizade!
Descanse em paz, meu grande amigo!



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