domingo, 24 de julho de 2011

Trem Bão é Coisa Boa Parte SETE


Quando pisou na varanda, o rapaz sentiu como se tivesse tomado um soco no estômago. Parecia que havia voltado no tempo.

O pequeno portão que separa a varanda do terreiro continua no mesmo lugar, com a tinta descascada e precisando de um pequeno empurrão para fechar o trinco. Ele ainda exerce a função original de impedir que as galinhas e os leitões entrem e perambulem pela casa.

Uma mesa de tábuas usada para secar vasilhas e que sempre foi manca permanece ao lado da porta da cozinha que conserva uma prateleira de madeira preta de fumo, com as antigas panelas e também o fogão a lenha com o banquinho feito de tronco de árvore onde se sentava em distante passado para ouvir estórias que lhe tiravam o sono nas escuras noites das férias escolares.

Sobre o fogão ainda existem algumas peças de toucinho defumando lentamente enquanto o feijão cozinha lentamente sobre as brasas, e empilhadas em um canto, as toras de lenha e os galhos finos que alimentam a boca de fogo que inevitavelmente remete ao passado.

Abrindo a pequena janela, tem-se a visão do pomar que abriga dezenas de árvores, como as pequenas e azedas mexericas de casca fina, laranja capeta e serra d’água, uma touceira de cana caiana, jambo e jabuticaba, além de algumas goiabeiras e mangueiras.

Aquele majestoso pé de manga espada continua dominando o cenário e superando em altitude até mesmo o esguio buriti, sob o qual passava horas na infância quebrando coquinhos e extraindo castanhas que torrava mais tarde na chapa do fogão.

Saindo da cozinha galgou o pequeno degrau e dessa vez as lembranças vieram aos turbilhões. O grande armário azul de madeira com suas quatro pesadas portas maciças praticamente esconde todos os mantimentos e utensílios da casa. A mesa ainda encostada à parede ladeada pelo comprido banco está coberta pelo mesmo forro estampado de motivos tropicais de sempre. Preso à cabeceira está o moedor de café em cuja manivela passou várias horas girando para fazer o pó, serviço que achava muito melhor do que torrar os grãos dentro da pequena cozinha e que encharcava qualquer um com abundante suor. Sorriu quando viu o liquidificador branco com somente um botão de madeira e que mantinha intacto seu grosso copo de vidro original – como isso ainda funciona? Só na minha casa comprei dois aparelhos em cinco anos! – Ainda ali na copa estava o desacreditado fogão a gás que destoava em tudo naquele nostálgico ambiente.

Mais alguns passos e chegou até a sala com suas paredes decoradas de velhos retratos a óleo de parentes por ele desconhecidos, um berrante, o antigo chapéu do avô todo manchado por dedos de nicotina e suor, além da inevitável Folhinha Mariana, cuja lenda reza que acerta até mesmo a previsão do tempo.

De móvel, somente o caixão de madeira, uma espécie de baú quadrado que antigamente armazenava arroz com casca e hoje guarda os apetrechos de montaria: um cabresto com freios, o velho arreio que fora do pai além de cordas, estribos e mantas.

Era ali no caixão que se sentava para almoçar, com as pernas pendendo de uma das altas janelas e esquecia do tempo absorto na paisagem que desfraldava sob seus olhos.

Dali avistava o cruzeiro de madeira sob o qual se reuniam todos os moradores da região nas sextas-feiras santas e atrás dele, a represa repleta de traíras. Alongando a vista ainda tinha a curva da estrada e o verde pasto onde pontilham até hoje algumas vaquinhas seguidas por seus bezerros. Emoldurando o quadro estava a serra que também fazia parte do terreno e escondia lendas e assombrações que povoaram o folclore local em sua meninice.

Com a mão no seu ombro, a avó gentilmente o desperta do torpor saudosista.

_Vem meu filho, vem comer enquanto ta quente. Vai ter muito tempo pra matar a saudade que traz no peito!

Fim da Parte SETE

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