quinta-feira, 21 de julho de 2011

Trem Bão é Coisa Boa Parte Seis


Parte SEIS

Aquele cheiro já pagou todo aborrecimento da viagem como levantar de madrugada, pegar o Rodoanel com um trânsito infernal antes mesmo de o sol ensaiar sua saída, os muxoxos vindos do banco do passageiro, tudo isso se apagou da mente dele ao sair do asfalto e encontrar a antes tão conhecida estrada de terra e sentir os aromas que temperaram boa parte de sua infância. Terra, curral, mato mesmo... Humores que combinam em um terroir indescritível, e que trazem à tona da memória emoções que o rapaz gostaria de compartilhar com a companheira mas concluiu que não seria possível porque desde que pegaram a estrada vicinal, a garota só sabia pedir para que as janelas fossem levantadas e o condicionador de ar ligado.

Mas hoje ela pode falar o que quiser, suas birras e manhas entravam em um ouvido e saíam pelo outro, ele estava extasiado, reconhecendo as curvas e as serras, cada lagoa, casinha antiga que passava pelo caminho, ponte. Já haviam passado pela primeira e agora visualizava a segunda. Depois dessa, uma curva, o ponto de leite, a bica e o Corguinho. Pronto, na porta de casa. Olhou para ela pela primeira vez após o que, vinte anos? Teve a impressão de ter estado ali ontem, tudo como se lembrava, só o grande cachorro que viera recebe-lo quando desceu para abrir a porteira que era novidade – sim, ela disse que morreriam de fome no carro se dependesse dela para isso – Típico guardião de roça mesmo, grande, amarelo, cara de mau. Diante de tal visão ele parou a uma distância que considerara segura e começou a observar a fera que aparentemente fazia o mesmo de lá. Nesse espaço de tempo não pode deixar de imaginar como um animal daquele tamanho deveria se chamar. Titã? Bocarra? Cérbero? Seria o próprio Cujo?

Fiiiuuuuuuuuuuuuuuu!!!!!!!!! Seus pensamentos são interrompidos pelo agudo assobio seguido de um chamado que partiu de trás da cerca de madeira carcomida.

_Barranco! Passa aqui seu cão danado! Pode abrir a porteira, meu filho, esse bobão só tem tamanho, na verdade é uma moça! Ta com essa cara, mas é de curiosidade, carro que aparece aqui é só o besourinho da sua mãe e aquele caco de caminhonete velha do seu Joaquim pra fazer entrega, e que mais parece uma jardineira. Carrão importado do olho puxado assim igual ao seu nunca pousou por aqui não. Agora deixa de mocorongar e dê cá um abraço na sua avó!

O rapaz sorriu e andou na direção da simpática senhora – Nossa, ela não mudou quase nada nesses longos anos...

Estava de pernas bambas pela emoção do reencontro, e a recepção inusitada serviu para quebrar o gelo. Enquanto isso Barranco observava toda a cena de longe, com a cabeça inclinada para a direita fazendo aquela expressão tão engraçada e que sempre nos faz imaginar o que se passa dentro dessas cabeças caninas.

Se não prender esse monstro eu nem desço do carro, começa a garota já implicando antes mesmo dos primeiros cinco minutos no lugar. Sem nenhuma cerimônia a dona da casa abre a porta do veículo e a puxa pelo braço.

-Minha filha, deixa de frescura que estou morrendo de curiosidade para conhecer a moça que não deixa meu neto me visitar. To tão curiosa que minha barriga ta até inchando, ó!

De um puxão coloca a visitante de pé e a olha de cima a baixo com expressão de aprovação.

-É, agora eu entendo o porquê do sumiço, só se fosse muito bobo pra trocar uma mulher bonita da cidade como você por uma velha da roça como eu, e a gente criou ninguém bobo aqui não!

-Que isso minha senhora – tenta justificar-se – A gente não vem sempre é por causa do serviço mesmo. O ritmo de São Paulo é de enlouquecer, difícil ter um tempo para descansar, quanto mais ainda para viajar pra tão longe.

-Eu sei minha filha, to é brincando com você. Mas agora vamos entrar, eu almoço lá pelas nove mas como sabia que vocês iam chegar pela volta do dia deixei uma coisinha já pronta ali no fogão.

Enquanto os três caminhavam em direção a escada da antiga casa, a moça chama o companheiro ao canto.

-Você me mata de vergonha falando pra toda a sua família que não deixo se encontrar com eles. Imagino a péssima impressão que estão de mim agora.

-Sossega mulher, não percebeu que tudo não passou de uma brincadeira de minha avó? Aqui todo mundo é assim, bem humorado, descontraído. Tem que entender que aqui não é igual aos nossos ambientes profissionais. Aproveita pra relaxar e viver um pouco da vida no campo. E acelera que estou morto de fome!

-Vamos lá gente! Na cidade vocês não gostam de comer não? Parece mesmo que não. Vem cá, nessa semana eu juro que boto um pouco de carne em cima desses seus ossos.

E dizendo isso passou a colocar os pratos esmaltados na pesada mesa de madeira maciça da copa.

Fim da Parte SEIS

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