sexta-feira, 15 de julho de 2011

Trem Bão é Coisa Boa Parte TRES

Dona Carmem andava pelos corredores admirada como sempre com os cheiros, cores e sabores daquele lugar. Sempre que ia ao Mercado Central, e sempre ia, ficava extasiada com a variedade e se perguntava sobre a origem daqueles produtos até mesmo exóticos, oriundos dos mais diversos cantos do país.

Sempre tinha em casa lingüiça caseira, queijo Minas do mais fresco possível, grandes ovos vermelhos de gema dourada, não esses amarelados e aguados que compram hoje na capital, além da verdadeira galinha caipira, de carne bem escura, que dá um caldo grosso e saboroso, ideal para aquecer as noites do mais severo inverno das Gerais, mas isso não tinha origem no Mercado, era tudo graças às boas relações que mantém com a sogra, mãe do falecido marido, quem visita com regularidade e que a abastece de iguarias da roça onde mora e produz de quase tudo, comprando às vezes açúcar e sal, e hoje muito a contragosto, óleo de cozinha porque o médico lhe deu uma chamada na responsabilidade pois a idade já não colabora e cozinhar somente na banha prometia um futuro de problemas cardíacos e vasculares.

Mas dessa vez ela andava pelos corredores atrás de uma iguaria mais fina, um carpaccio para oferecer às amigas que se reuniriam em sua casa em mais uma reunião do clube de leitura, desculpa pra tomar vinho e colocar a conversa em dia, e dessa vez ela tinha uma carta na manga.

Ia ensinar a elas dessa vez! Nunca chegou a engolir o ar de arrogância da Neuza quando mostrou o livro do momento, autografado por aquele autor que entende a alma das mulheres e disse que após o coquetel de lançamento desse livro ainda tomou uns drinks com ele, e ainda o definiu de atrevidamente recatado. Não dessa vez, pensou sorrindo, quero ver a cara delas quando mostrar a surpresa que trouxe de Paraty, lembrança da FLIP que além de vir em forma de dedicatória, também trazia memórias mais que pessoais. Elas vão ficar até roxas de inveja...

Absorta em pensamentos de vingança pueril, quase não percebeu que na bolsa o celular vibrava. Agora sorriu de verdade quando viu que era uma ligação do filho que hoje mora longe, e que raramente tem tempo de visitá-la.

Dessa vez ele convidava a mãe para irem até a roça, estaria de férias em algumas semanas e não mais agüentava de vontade de rever o cenário de sua infância, andar de pés descalços no chão de terra e prosear com a avó, ouvindo os engraçados ou tenebrosos causos de outros tempos.

Infelizmente dessa vez ela não poderia acompanhar o filho, pois compromissos com a empresa a fariam viajar para fechar contratos lá pelas bandas do nordeste. Mulher lutadora e de responsabilidade, perdeu o marido ainda nova e se viu no comando da família quase de uma hora para outra e em pouco tempo, assumiu cargo de diretoria em uma grande empreiteira, conseguiu formar o filho e conquistar certo conforto financeiro, e não galgou esses degraus com o hábito de desmarcar reuniões, mas garantiu ao rapaz que deixaria a avó avisada da chegada e tinha certeza que a boa senhora não se conteria de felicidade com a visita inesperada.

Desligou o telefone na porta da loja que procurava, e já entrou pegando na prateleira um pote de alcaparras.

Fim da parte TRES

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